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Textos sobre Agricultura madeirense no Diário de Notícias da Madeira (1.ª série, quinzenal - de 9.9.2007 a 13.6.2010; 2.ª série, mensal, de 30.1.2011 a 29.1.2017; 3.ª série, mensal de 26.2.2017 a ...)
Este texto foi publicado no Diário de Notícias, no dia 26 de Maio de 2024.
A agricultura madeirense pode ser quantificada pelas toneladas e pelo valor comercial das produções agrícolas. A banana e o vinho são os seus principais contribuintes devido ao escoamento no mercado nacional, no caso da banana, e internacional, no que diz respeito ao Vinho Madeira. A nível regional, as hortícolas como a semilha, a batata-doce, a couve, o feijão maduro e verde, a cenoura, a cebola, o tomate, entre outras, a par com frutas como a anona, o abacate, o mango, as variedades regionais de maçã, a castanha, bem como a cana-de-açúcar e a sua transformação em aguardente de cana e mel de cana sacarina, também ajudam na quantidade e no valor que essas culturas representam, quer para os produtores, quer para quem os comercializa. Numa região onde a orografia é acidentada e o território é pequeno, todo o metro quadrado conta e muito para a actividade agrícola. Se no continente e até nos Açores, as explorações agrícolas medem-se em hectares, na Madeira expressam-se em metros quadrados, muitas das vezes na ordem das centenas de metros quadrados e com a particularidade de um agricultor dispor de várias parcelas (ou ‘prédios’ como se designam localmente). Acresce ainda referir que a pressão urbanística, sobretudo na costa sul, na faixa litoral compreendida entre os municípios da Ribeira Brava e de Santa Cruz, torna o cultivo agrícola cada vez mais limitado, por falta de terrenos disponíveis para tal fim. Mesmo assim, apesar da competição entre os diversos sectores em relação ao território, lá está a agricultura regional feita de poios [regionalismo para socalcos agrícolas] com gente dentro, que diariamente dão o seu melhor, para da terra tirarem o seu sustento ou parte dele, pois muitos agricultores só o são a tempo parcial, tendo como ocupação profissional principal, a construção civil, a função pública ou a prestação de serviços. Mas será que a agricultura madeirense só se mede pelo que produz e o que se vende? Somos de opinião que não, que o valor é muito maior, pelo significado que tem para a paisagem insular.
É unânime que os poios cultivados emprestam à paisagem da Madeira algo de único e majestoso. Basta ver por exemplo, os bananais nas freguesias da Madalena do Mar, (concelho da Ponta do Sol), Câmara de Lobos (concelho de Câmara de Lobos), São Martinho e Santo António (Funchal). A vinha que sobe encosta acima no Estreito de Câmara de Lobos, no sul, pelo vale de São Vicente e no Seixal (Porto Moniz), a norte. As hortas do sítio da Caldeira, na freguesia e concelho de Câmara de Lobos e no município de Santana. Enfim, muitos outros lugares da Madeira e do Porto Santo poderiam ser enumerados, mas todos têm algo em comum: encontram-se agricultados porque o produtor consegue escoar as suas produções e tirar rendimento que lhe permite ter um ganha-pão ou um complemento desse rendimento. Imaginemos o que seriam aquelas localidades sem uma cultura, apenas com terrenos incultos ou com construções, o cenário seria certamente bem diferente e algo depauperado. O risco de erosão e de incêndios, de proliferação de pragas como o rato seria muito maior, com consequências negativas para quem reside ou nos visita. Saibamos, pois, valorizar o trabalho aturado do agricultor madeirense que ao longo de gerações tornou uma terra inóspita numa ilha aprazível, com terra fértil por via dos poios erigidos pela força braçal acartando às costas pedra (para os muros) e solo, vezes sem fim. De que maneira podemos honrar esses heróis da "Epopeia Rural" que Joaquim Vieira Natividade tão bem descreveu em "Madeira - A Epopeia Rural"? A resposta está no comportamento que qualquer um de nós como consumidores e os empresários do sector da hotelaria e restauração devem ter presente: dar preferência e adquirir os produtos agrícolas regionais no decorrer das estações, para que a gastronomia madeirense seja o mais genuína possível. De nada adianta andarmos a servir nos restaurantes pratos típicos madeirenses com produtos que não são de cá. Ao fazê-lo estamos a adulterar as receitas culinárias e a comprometer o escoamento das produções agrícolas locais. Mais, estamos a criar riqueza fora da Região, pois ao comprarmos hortofrutícolas importados, é dinheiro que não fica aqui. Está na hora de olharmos para o que é nosso e comprar as verduras e frutas, sabendo que ao termos esse gesto, estamos a ajudar quem o cultivou, e ao fazê-lo, ajudamo-nos a nível económico, social e ambiental. É cada vez mais importante que os produtos que necessitamos para a alimentação tenham uma "pegada ecológica" o mais pequena possível, isto é, que se evite adquirir os hortofrutícolas que vêm por vezes de outros continentes a milhares de quilómetros de distância com gastos energéticos avultados e poluentes devido ao uso dos meios de transporte marítimo e aéreo.
A manutenção da agricultura regional e o seu futuro passam pela atitude responsável de todos nós como consumidores que dão valor ao que é cultivado localmente. E este exemplo deve ser dado tanto em casa, como nas escolas, onde as refeições deveriam ter obrigatoriamente produtos agrícolas regionais, pois as novas gerações precisam de ser sensibilizadas para a importância de vivermos numa Região que, além do mar e da Laurissilva, tem poios seculares com pessoas que nos fornecem alimentos essenciais à nossa subsistência e bem-estar.
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