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Textos sobre Agricultura madeirense no Diário de Notícias da Madeira (1.ª série, quinzenal - de 9.9.2007 a 13.6.2010; 2.ª série, mensal, de 30.1.2011 a 29.1.2017; 3.ª série, mensal de 26.2.2017 a ...)
Este texto foi publicado no Diário de Notícias, no dia 29 de Outubro de 2023.
Este mês fica infelizmente marcado pelos incêndios que assolaram particularmente os concelhos da Calheta, Porto Moniz, Ribeira Brava e Câmara de Lobos. Assistimos com preocupação e consternação à devastação de grandes áreas com mato, eucaliptos, floresta, cultivos agrícolas, entre outras, à morte de animais de estimação e de criação, bem como algumas casas e palheiros que foram destruídos pelo fogo inclemente. De facto, as condições climáticas que tivemos durante as duas primeiras semanas de Outubro, com temperaturas acima dos 30ºC e humidades relativas do ar baixas, associadas a ventos fortes e a mão criminosa (mais uma vez!), deixaram muitos de nós em sobressalto e a recordarmos outros incêndios relativamente recentes ocorridos em 2016 (nesse ano, principalmente no Funchal), 2013 e 2012. Mas, no passado, os fogos sempre nos inquietaram e bastante. Já aqui trouxe a esta página uma rubrica intitulada "Agricultura Regional" coordenada pelo Engenheiro Agrónomo Rui Vieira e publicada quinzenalmente neste Diário entre 15 de Julho de 1989 e 26 de Junho de 1993, portanto, há cerca de 30 anos. Num dos escritos sobre os incêndios na Ilha da Madeira recupero agora um texto "Males de hoje… e de ontem…" da autoria de Rui Vieira publicado no Diário de Notícias da Madeira de 25 de Agosto de 1990. O Engenheiro Rui Vieira dava conta que «Não se pode deixar passar esta época quente, sem uma palavra de referência ao que por aí tem ido, nesta Ilha mártir, de destruição, pelo fogo, do nosso património florestal. Dada a frequência e a intensidade dos incêndios de Verão, sobretudo nas últimas décadas, julgo que será aconselhável passar a considerar, entre as condicionantes (negativas) do desenvolvimento regional, mais esta fatalidade, a que (parece) ninguém pode pôr cobro…». Constatava ainda que «De qualquer modo, face à periodicidade e aos malefícios do "fenómeno" há que lutar, por todos os meios, contra esta calamidade que parece ter-se tornado perene e, sobretudo, estabelecer com determinação e objectividade planos de actuação que possam, acima de tudo, evitar que os incêndios surjam e se desenvolvam».
Efectivamente, nos últimos anos a Região tem investido no apetrechamento de equipamentos, viaturas e de um helicóptero para um combate mais eficaz e célere aos incêndios, bem como no reforço dos meios humanos, quer nas corporações de bombeiros, quer nos polícias florestais, sapadores florestais, vigilantes da natureza, entre outros. Rui Vieira adianta igualmente que a sensibilização junto dos alunos de todos os níveis escolares e das populações (e sua responsabilização), a extensão rural, a vigilância, a cooperação civil-militar, a fiscalização, uma justiça rigorosa e exemplar que actue atempadamente, entre outros, «[…] poderão, seguramente, contribuir para a diminuição ou eliminação desta nova "praga" [referindo-se aos fogos florestais]». E esclarece que é "nova" pela barbaridade, inconsciência, negligência e repetição dos incêndios. O Engenheiro Rui Vieira defendia «[…] a extrema necessidade de se acelerar o repovoamento florestal […] Florestar, com saber e com rapidez, é uma dessas tarefas, de que depende, isto sim, sem demagogia, o futuro da Região!». À natureza, floresta, água, equilíbrio biofísico, num primeiro plano, Rui Vieira interliga a paisagem, qualidade de vida, economia, turismo, em plano adjacente, «como se de alma e corpo se tratasse». Depois explica que com os fogos há desequilíbrio, pois «Morta a floresta, as águas não se infiltram na terra, brotam menos nas nascentes, aumenta a erosão… E o que era beleza panorâmica, torna-se terra queimada; não há mais que falar em qualidade de vida; a economia regride; o turismo afasta-se…». Além da premência no combate aos incêndios, escreve que é preciso actuar urgentemente na florestação, «ontem, hoje, amanhã!», uma vez que assim se conserva ou aumenta a nossa riqueza hídrica, para termos água nas torneiras, nos terrenos e para produção hidroeléctrica; para que a paisagem insular preserve a sua singularidade; para que os visitantes continuem a vir à Madeira; para que os residentes mantenham uma boa qualidade de vida; para melhorar a economia regional; para que se protejam as vidas humanas da terra e da rocha nuas que as põem em perigo. Para lá da florestação importa relembrar que um terreno agricultado é muito mais resistente ao avanço das chamas que um terreno inculto com mato. Saibamos dar valor às nossas produções agrícolas locais, adquirindo-as e consumindo-as com vista ao ordenamento do território, à manutenção e expansão da actividade agrícola e consequente fixação das populações no meio rural. A concluir, o Engenheiro Rui Vieira advogava que «[…] florestar obriga, assim, a acabar com o gado que, nas serras madeirenses, continua a pastar em liberdade [atente-se para a ressalva do gado ser problema quando pasta livremente e não quando está circunscrito]; a realizar, nos locais próprios, as necessárias obras de correcção torrencial; a escolher, com rigor, as espécies arbóreas, arbustivas e a restante cobertura vegetal, adequadas para as várias zonas e condições de solo e clima (a silvicultura é uma ciência e nada deve ser feito ao acaso); e a optar pela floresta típica da Ilha, até por ser menos susceptível aos fogos florestais, sobretudo nos terrenos baldios e do património regional. […] Entidades públicas e privadas têm que dar as mãos e arrancar já e em força. Todos seremos poucos para a concretização de um projecto vital para esta Região, que sem árvores e sem águas, mergulhará no esquecimento e na miséria…».
Palavras sábias e oportunas de Rui Vieira que foram escritas há mais de 33 anos, mas mantêm uma actualidade que nos leva a pensar e a querer agir!
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