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Este texto foi publicado no Diário de Notícias, no dia 24 de Novembro de 2024.

Por algumas vezes, já escrevi neste espaço sobre o Professor Joaquim Vieira Natividade. Volto a fazê-lo a propósito dos 125 anos do nascimento deste notável Agrónomo e Silvicultor, nascido em Alcobaça, a 22 de Novembro de 1899. Socorro-me da publicação "J. Vieira Natividade – Perfil Biográfico" de Maria de Lourdes Duarte Amaral, uma separata de "Frutos – Boletim Anual de Hortofruticultura" de 1969, com 100 páginas e dividida em 13 capítulos, editada pela Junta Nacional das Frutas, e disponível para consulta no Arquivo e Biblioteca da Madeira por via da biblioteca pessoal do Engenheiro Agrónomo Rui Vieira, que foi doada pela sua família em Novembro de 2019. Na introdução "Quem foi J. Vieira Natividade?", a autora dá conta da prolífica obra que Vieira Natividade produziu ao longo da sua vida: «[...] uma ordem cronológica surpreendente que se vai estabelecendo: J. Vieira Natividade 1926, J. Vieira Natividade 1927, J. Vieira Natividade 1928, 1929, 1930, 1931, 1932..., 1934, 1935, 1936, 1937, 1938, 1939, 1940, 1941, 1942, 1943, 1944, 1945, 1946, 1947, 1948, 1949, 1950, 1951, 1952, 1953, 1954, 1955, 1956, 1957, 1958, 1959, 1960, 1961, 1962, 1963, 1964, 1965, 1966, 1967 e finalmente 1968!». Sobre a inteligência fora do comum, Maria de Lourdes afirma que «[...] Natividade foi um investigador-experimentador (na simbiose indestrutível destas duas palavras); foi um cientista, foi um Mestre, um técnico brilhante, um humanista; um escritor, legando-nos numa prosa que por vezes é quase poesia, das mais belas páginas sobre temas agrários, sobretudo a terra, as árvores e as flores». O Capítulo I "Das Raízes", traz informações sobre a família de Joaquim Vieira Natividade. Filho de D. Maria da Ajuda Garcez e de Manuel Vieira Natividade (Farmacêutico de formação, mas mais interessado em Arqueologia e na Etnografia), é o terceiro filho de um conjunto de quatro (António, Joaquim, Leocádia e Maria). Depois da instrução primária e do liceu, entra em Outubro de 1916 no Instituto Superior de Agronomia (ISA) em Lisboa, concluindo os cursos de Agronomia e Silvicultura em 1921, plantando um pequeno carvalho no pátio central daquela Faculdade e que ainda lá permanece até aos dias de hoje. Faz o tirocínio em 1922 e forma-se em Agronomia com distinção, apresentando o trabalho "A Região de Alcobaça. Agricultura, População e Vida Rural". Depois dedica-se à Silvicultura sobretudo na área das quercíneas (plantas do género Quercus), concluindo em 1929 a licenciatura em Silvicultura com o trabalho "O Carvalho Português nas Matas do Vimeiro". No Capítulo II "No Limiar", fica-se a saber que foi Professor Técnico da Escola Agrícola Feminina Vieira Natividade em 1925 e aí ficou até Dezembro de 1926. Esta escola que tinha o nome do pai de Joaquim Vieira Natividade, era uma velha aspiração dele e de D. Ana de Castro Osório, que foi concretizada pelo Engenheiro José Joaquim dos Santos. Em 1930 ingressa na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, tendo sido nomeado três meses depois Director da Estação Experimental do Sobreiro e Eucalipto, em Alcobaça. O Capítulo III "Um Homem de Ciência", traz um episódio da vida de Vieira Natividade que o marcará para sempre. É anunciado que há uma vaga de Professor Catedrático do 6.º grupo de disciplinas (Arboricultura, Ampelografia e Viticultura) no ISA. No Verão de 1932 começa a preparar a obra "A Improdutividade em Pomologia – Estudo Fisiológico e Citológico", que será a base da dissertação para o Concurso de Professor Catedrático. Em Fevereiro de 1933 têm lugar as provas e dos três candidatos, Joaquim Vieira Natividade fica em segundo lugar. No Capítulo IV "Os problemas mais diversos, ao mesmo tempo", mostra Vieira Natividade dedicado à investigação na área da fruticultura e publica "Os Frutos – Colheita, Acondicionamento, Comércio e Transporte" (1930) e "Pomares – Poda de Fruteiras – Monda dos Frutos" (1935), tendo este último atingido 10.000 exemplares com a terceira edição em 1951. O Capítulo V "É o momento de prepararmos o futuro", faz referência à nomeação de Vieira Natividade como Investigador da Estação Agronómica Nacional e como Director do Departamento de Pomologia em Outubro de 1937. No Capítulo VI "Um trabalho numa direcção definida" indica uma das linhas de trabalho de Vieira Natividade: o melhoramento da flora fruteira por exemplo no pessegueiro através de cruzamentos entre castas portuguesas e exóticas temporãs e de meia estação, publicando em 1953 "Melhoramento da Flora Portuguesa – I – Novas Variedades Culturais de Pessegueiro". Enriquece a colecção de fruteiras do Departamento de Pomologia, desenvolve estudos genéticos, citológicos e histológicos. Antes, em 1950, é editado "Subericultura", o livro-base da Silvicultura mediterrânea que foi traduzido para francês e italiano. Naquele ano abandona o lugar de Director da Estação Experimental do Sobreiro, vinte anos depois, dos quais treze anos a título gratuito! O Capítulo VII "O Apostolado", faz menção a um Joaquim Vieira Natividade que escreve para revistas, jornais, livros, cartas, profere conferências (como "Madeira – A Epopeia Rural", a 22 de Junho de 1953) e palestras. Revela-se um fotógrafo exímio, pois além de tirar fotografias, revelava os negativos, provas directas e ampliações, retoques e montagem final. Neste âmbito realizou o documentário "Flores – Mundo de Beleza" de 1957 (disponível na página da Cinemateca Portuguesa), tendo sido exibido em diversos Festivais de Cinema, em Bruxelas, San Sebastian, San Anghel (México), Trieste (Itália). No Capítulo VIII "Ao lado do Cientista... O Artista", assiste-se a uma mudança de Vieira Natividade que no início da carreira dedica-se mais à «[...] fria e metódica linguagem científica e ameniza e enriquece depois o seu estilo como divulgador, acaba por se ultrapassar nesta missão, deixando-nos das mais belas páginas da agronomia lusitana». Como exemplo são referidas duas publicações sobre o Arquipélago da Madeira: "Fomento da Fruticultura na Madeira" de 1947 (reeditado em 2018 pelo Serviço de Publicações da Direcção Regional da Cultura da Madeira) e "Madeira – A Epopeia Rural" de 1953. Considerado por Maria de Lourdes como um ilustre epistológrafo, isto é, alguém que escreve epístolas (texto em prosa escrito em forma de carta), pois «[...] deixou-nos dispersas por todos os amigos e familiares, milhares de cartas que, a poderem reunir-se, formariam um conjunto precioso, através do qual muito da sua personalidade poderia ser mais bem compreendida». O Capítulo IX "Da Personalidade", analisa Vieira Natividade como alguém muito próximo da família, em especial do irmão António e da irmã Leocádia e uma profunda admiração pelo pai (Manuel Vieira Natividade) e pela mãe (Maria da Ajuda Garcez). Casa-se a 21 de Abril de 1923 com D. Irene Pires de Sá, uma artista em desenho e pintura e que se notabiliza principalmente na tapeçaria, onde faz trabalhos de excelência. Numa primeira impressão, o Professor Joaquim Vieira Natividade era uma pessoa que parecia ser fechada, distante, embora cordial, mas depois de conhecer melhor as outras pessoas e ao ajuizá-las de acordo com as suas convicções, era o «melhor dos amigos»! Dedicou-se a estudos de carácter biográfico sobre Manuel Vieira Natividade, Pereira Coutinho, os Engenheiros Agrónomos Rebello da Silva, Manuel de Sousa Câmara e Saraiva Vieira. Era exigente e perfeccionista, o que levava os seus colaboradores a superarem-se, tendo ainda um método de trabalho criterioso e detalhado.

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(Direitos Reservados)

No Capítulo X "A Prova Experimental", vamos até 1959, ano em que o Governo entrega a Vieira Natividade a orientação do "Empreendimento Fruticultura", tinha então 60 anos. Este trabalho surgia na sequência do "II Plano de Fomento", que tinha três linhas de trabalho: valorização das áreas frutícolas, melhoramento da flora fruteira (aperfeiçoamento da técnica cultural e incremento dos estudos pomológicos) e conservação e tecnologia dos frutos. Entre 1959 e 1968 orientou aqueles trabalhos, onde se fez um reconhecimento e inquérito geral que definisse «as potencialidades do património pomareiro» de cada região, o estabelecimento de "pomares-modelo", com a colaboração dos fruticultores. Em 1967, o número de "pomares-modelo" era de 421 e de 267.600 árvores nas regiões do Oeste, Ribatejo, Minho e Beira Alta, e em 1968, ultrapassavam os 1.500 hectares. O Capítulo XI "Da Consagração", constatamos que o reconhecimento oficial só acontece em 1950 (mais de vinte anos depois do início da actividade profissional) por via de um Voto de Louvor publicado no "Diário de Governo" pela edição de "Subericultura" naquele ano. Em 1951 é agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Mérito Agrícola e no ano seguinte, a Academia de Ciências de Lisboa elege-o sócio correspondente da classe de Ciências e em 1955 como sócio efectivo. Foi alvo de inúmeras distinções e cargos honrosos como por exemplo, sócio efectivo da Sociedade de Ciências Agronómicas de Portugal. Foi citado em publicações periódicas técnicas e científicas da Alemanha, Argélia, Argentina, Brasil, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Marrocos, Rússia, Suíça e Estados Unidos da América. Em 1966, a Universidade de Toulouse confere-lhe o grau de "Doctor Honoris Causa", realizando-se a cerimónia de imposição das insígnias e da entrega do diploma, a 27 de Abril de 1967. Porém, segundo a autora deste perfil biográfico, «[...] a consagração maior, aquela que intimamente lhe deu a ansiada paz, foi de natureza diferente! Porque ao ressurgimento da fruticultura nacional em bases científicas entregara devotadamente toda a sua vida, para ele, a maior consagração, foi certamente, poder olhar à sua roda e ver que, por toda a parte, o sonho que soubera sonhar, conduzira à transformação da ruína caótica da velha arboricultura lusitana num vasto e florescente pomar europeu». No Capítulo XII "O cerro pedregoso", descreve que apesar do trabalho profícuo que Joaquim Vieira Natividade empreendeu ao longo da sua vida, a falta de apoios morais e materiais foi uma constante. A esse propósito, recorde-se que pese embora em 1937 tenha sido nomeado como Director do Departamento de Pomologia pelo então Ministro da Agricultura Dr. Rafael Duque, nada constava sobre as instalações, o pessoal e as verbas necessárias para o seu funcionamento! Só em 1941 através de um subsídio anual concedido pela Junta Nacional das Frutas é que Vieira Natividade conseguiu encetar a acção experimental. A título de curiosidade, a equipa de trabalho nessa altura era constituída pelo próprio Professor Vieira Natividade, pelo Regente Agrícola J. M. Natividade Coelho e pelos auxiliares Maria de Lourdes de Jesus, Óscar Morgado Catarino e Joaquim Carolino Alexandre, bem como uma colaboração esporádica de alguns tirocinantes de Agronomia. Por oposição, a Estação de East Malling, na Inglaterra, que se ocupava da fruticultura, dispunha de 100 cientistas. Entretanto, em 1959 a equipa que trabalhava com Vieira Natividade, é reforçada com o Engenheiro Agrónomo António Luís Pascoal Avelar do Couto, três Regentes Agrícolas e três auxiliares. Nos nove anos seguintes é robustecida com mais cinco Engenheiros Agrónomos, nove Regentes Agrícolas, cinco auxiliares de laboratório, dois dactilógrafos e três condutores. Destes elementos há dois que trabalham mais próximo do Mestre: J. M. Natividade Coelho (Regente Agrícola e sobrinho de Vieira Natividade) e Avelar do Couto (Engenheiro Agrónomo), que era considerado pelo Professor Vieira Natividade como o seu sucessor na Direcção do Centro, o que veio a acontecer. No derradeiro Capítulo XIII "Quando pensares no tempo…", inspirado no provérbio chinês «Quando pensares no tempo… olha que é sempre mais tarde do que imaginas!...», reflecte bem o estado de espírito de Joaquim Vieira Natividade. Maria de Lourdes Duarte Amaral afirma mesmo que «[…] a todo o passo, Natividade foi obrigado a parar, tropeçando nas mais comezinhas complicações burocráticas para obter os meios indispensáveis de trabalho, desde o mais vulgar reagente, à própria mesa para escrever; durante toda a vida teve de preocupar-se com tarefas miúdas, rotineiras; não foi poupado a minúcias administrativas, explicações, relatórios (que chegaram a ser exigidos com a periodicidade de três meses) e através dos quais, cheio de desespero, se lhe coavam horas que poderiam ser de precioso estudo e de acção». Contudo, em 1961, o então Ministro da Agricultura, Engenheiro Ferreira Dias, que já conhecia os trabalhos de Vieira Natividade, visita Alcobaça na companhia do Secretário de Estado da Agricultura, Dr. Mota Campos. No seguimento dessa visita, é publicado a 7 de Maio de 1962, um despacho da Secretaria de Estado da Agricultura assinado pelo Secretário de Estado, Dr. Mota Campos, em que se criava o Centro Nacional de Estudos e de Fomento da Fruticultura (actual Estação Nacional de Fruticultura Vieira Natividade que pertence ao Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária – INIAV), tendo sido nomeado como seu Director, o Professor Joaquim Vieira Natividade. Não obstante a dificuldade em obter verbas para a sua concretização, estas foram encontradas por via do Fundo de Fomento da Exportação, da Fundação Calouste Gulbenkian e da Junta Nacional das Frutas. Em 1965 dá-se o início da construção do edifício, prolongando-se por mais dois anos. Finalmente, em Janeiro de 1968, o Centro foi dado como concluído e em meados do mês seguinte, os serviços começaram a funcionar naquelas instalações. Vieira Natividade mostrava com muita satisfação a quem o visitava, o edifício e as condições que este oferecia. Proferiu uma frase na Primavera daquele ano que resume aquilo pelo qual lutou toda a sua vida: «Agora sim, agora tenho finalmente o que preciso para trabalhar!».

Morreu a 19 de Novembro de 1968, em Alcobaça.

Com estas linhas, presto mais uma vez a minha singela homenagem a um Homem, que mesmo desprovido de meios humanos, materiais e financeiros no decorrer do seu percurso profissional, muito fez pela modernização da fruticultura portuguesa durante mais de 40 anos!
Que o legado do Professor Joaquim Vieira Natividade seja sempre recordado e dado a conhecer aos do presente e aos vindouros!

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