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Textos sobre Agricultura madeirense no Diário de Notícias da Madeira (1.ª série, quinzenal - de 9.9.2007 a 13.6.2010; 2.ª série, mensal, de 30.1.2011 a 29.1.2017; 3.ª série, mensal de 26.2.2017 a ...)
Este texto foi publicado no Diário de Notícias, no dia 28 de Agosto de 2022.
No dia 2 deste mês teve lugar no auditório da Secretaria Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, no Edifício Golden Gate, Funchal, uma cerimónia de entrega de prémios a 133 agricultores, dos quais 131 candidataram-se a projectos agrícolas de investimento de pequena dimensão e os restantes dois são relativos ao arranque de início de actividade para jovens agricultores. Desse modo, foram aprovadas 133 candidaturas através do Programa de Desenvolvimento Rural da Região Autónoma da Madeira (PRODERAM) num investimento na ordem de um milhão de euros, cujo valor total de ajudas foi cerca de 600 mil euros, sendo que até à presente data e no decurso do Quadro Comunitário de Apoio (QCA) em curso, foram aprovadas à volta de 3.000 candidaturas de investimentos. Na ocasião, o Presidente do Governo Regional sensibilizou os presentes para a necessidade de a agricultura madeirense modernizar-se, nomeadamente no que diz respeito à mecanização agrícola, à instalação de sistemas de rega localizada e de tanques de rega, à construção de armazéns agrícolas, à colocação de vedações, entre outros, no sentido de reduzir a mão-de-obra e os custos de produção. Alertou ainda para aquilo que se passou e que se passa no mundo. Primeiro, uma pandemia que apesar de estar mais controlada ainda não acabou, e segundo, a guerra na Ucrânia, com as implicações sobejamente conhecidas, a nível do fornecimento e abastecimento de matérias-primas utilizadas para a produção de fertilizantes químicos e dos cereais com destaque para o trigo. Falou ainda da questão da «autossuficiência alimentar [que] é uma questão que está na ordem do dia. [… Que] É essencial hoje que a Europa se concentre na produção agrícola […]», concluindo o seu raciocínio que não só é importante produzir alimentos de origem local, como também é significativo o grande contributo dos terrenos agricultados que mantêm a singular paisagem agrícola madeirense. Na ocasião, o Dr. Miguel Albuquerque adiantou ainda que a estratégia a ter em conta no próximo QCA é a de um programa que vá «acelerar a modernização da produção agrícola na Madeira», onde as novas gerações mais bem formadas, possam dar um passo em frente com a introdução de técnicas culturais modernas nas suas explorações agrícolas, que permitam aliviar a carga de trabalho braçal, reduzir a mão-de-obra e os custos inerentes e aumentar assim o rendimento dos agricultores.
Sobre esta matéria da autossuficiência alimentar, escrevi pela primeira vez sobre o conceito de Autonomia alimentar a 15 de Novembro de 2009, na então revista Mais do DN Madeira, num artigo intitulado "A Agricultura e a Gastronomia Regionais", que posteriormente foi compilado no livro "Agricultando – 71 textos sobre Agricultura madeirense (9 de Setembro de 2007 a 30 de Maio de 2010)" da minha autoria, lançado a 21 de Março de 2011, no Mercado dos Lavradores, no Funchal. Naquele escrito e baseado no conceito de soberania alimentar, que consiste no direito de cada país ou região de poder determinar e aplicar as políticas agrícolas e alimentares, mormente o de decidir o que cultivar, o que comer e como comercializar, o de produzir localmente, com respeito pelo território e pelo controlo dos recursos naturais como por exemplo a água, as sementes e a terra, procurei extrapolá-lo para a realidade do Arquipélago da Madeira como Região Autónoma e com um estatuto político-administrativo definido. É do conhecimento público que Portugal importa cerca de 75 por cento dos alimentos que consome, sendo essa percentagem de dependência do exterior por parte da Região, ainda mais elevada. Sabemos que nunca podemos vir a ser autossuficientes, dada a nossa realidade insular caracterizada por um relevo acidentado, explorações agrícolas de reduzida dimensão e dispersas por várias parcelas. Mas uma coisa é certa, podemos depender menos do exterior, com ganhos na economia local, pois ao incentivar-se as produções agrícola e pecuária regionais na Madeira e no Porto Santo, estamos a criar riqueza cá dentro em vez daquela sair lá para fora. É chegado o tempo de criar incentivos para que os jovens dedicados ao cultivo da terra, possam instalar-se nas zonas rurais, em especial na já despovoada costa norte da Madeira, recorrendo, por exemplo, ao arrendamento bonificado de terrenos agrícolas com apoio financeiro do Governo Regional ou das Autarquias, explorações essas que foram abandonadas ao longo do tempo pelos seus proprietários, que pela sua idade avançada e pelo seu estado de saúde, há muito que deixaram de cultivar os seus terrenos, ou por motivos de emigração, ninguém se encontra cá para continuar a cuidar das terras. Deveria estimular-se igualmente a compra de habitação para os jovens casais nesses meios rurais, contando porventura com a ajuda dos municípios, a nível de isenção de IMI por um período alargado de pelo menos dez anos, entre outros benefícios. É vital ter uma acção ampla que ligue todos os sectores económico, social, cultural, onde se olhe para a Madeira e o Porto Santo como um todo, procurando tirar pressão do excesso de população no eixo Machico-Ribeira Brava e tentando mobilizar jovens casais para os concelhos mais distantes daquele eixo, entre a Calheta, a costa norte da Madeira e o Porto Santo que se queiram dedicar à actividade agrícola. Pensemos a médio e longo prazo, ou seja, a 10, 20 ou até mais anos, e procuremos inverter a tendência já preocupante de desertificação do nosso campo, com as consequências negativas como o abandono das terras e o risco de incêndios e a vulnerabilidade desses terrenos perante inundações, derrocadas e deslizamento de terras, a degradação do património edificado agrícola e habitacional tradicional, a erosão genética das variedades regionais ou ‘tidas como tais’ de hortofrutícolas e florícolas, bem como o desaparecimento de um riquíssimo património imaterial como os nossos usos e costumes, as tradições religiosas e populares, as receitas do antigamente que do pouco faziam muito.
Pensemos nisto, caro leitor, e interiorizemos o conceito de Autonomia alimentar madeirense, isto é, sermos menos dependentes do exterior, pois a seguir a nós, virão outros, os nossos filhos, os nossos netos, que tudo merecem que olhemos para eles agora, porque é já hora…
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