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Textos sobre Agricultura madeirense no Diário de Notícias da Madeira (1.ª série, quinzenal - de 9.9.2007 a 13.6.2010; 2.ª série, mensal, de 30.1.2011 a 29.1.2017; 3.ª série, mensal de 26.2.2017 a ...)
Este texto foi publicado no Diário de Notícias, no dia 25 de Abril de 2021.
No âmbito da acção climática, o projecto "Life Dunas" em curso na Ilha do Porto Santo, no sítio da Ponta, desde meados de Outubro de 2020 e com uma duração de cinco anos, é financiado pela União Europeia por meio do programa "Life", tratando-se do primeiro "Life Clima", no Arquipélago da Madeira. Os objectivos gerais passam pelo aumento da resiliência dos ecossistemas dunares e da praia da Ilha Dourada, para contrariar as ameaças a que estes estão sujeitos por via dos eventos meteorológicos extremos como as tempestades e a subida do nível do mar, nas zonas costeiras. A entidade coordenadora do "Life Dunas" é a Secretaria Regional do Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas, tendo como parceiros a Secretaria Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural através da Direcção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, o Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o Município do Porto Santo e o Gabinete do Vice-Presidente no Porto Santo. Como é do conhecimento geral, as dunas são barreiras naturais dinâmicas que impossibilitam o avanço do mar sobre a costa, abrigando da erosão o interior do território. Contudo, o efeito nefasto dos ventos e a actividade humana no decorrer dos tempos, originaram uma degradação que importa ser recuperada. A nível mundial, verifica-se a progressão do mar sobre o litoral que coloca em risco populações e construções, pelo que se deve abrandar esses processos erosivos. A par da restituição dunar, pretende-se controlar as espécies exóticas invasoras e substituí-las por outras nativas mais adaptadas às condições climáticas e de solo locais, que são essenciais para a fixação da areia. A instalação de um passadiço e a participação activa da comunidade local são outros dos propósitos que complementam a concretização plena deste projecto.
(Direitos Reservados)
A nível agrícola, a montante das dunas, o reactivar do cultivo da vinha da casta "Caracol" no modo de condução tradicional porto-santense e a preservação dos muros de pedra solta, mais conhecidos por muros de croché ou muros de renda, revelam-se cruciais para a protecção dunar. De acordo com informações que me foram prestadas há uns anos pelos Senhores António José Rodrigues e Carlos Mendonça, a casta "Caracol" foi trazida na década de 30 do século passado por um emigrante na África do Sul, mais concretamente da cidade do Cabo. Ofereceu alguns exemplares desta casta também chamada "Olho de Pargo" para o seu amigo, João da Silva, agricultor porto-santense que os plantou no sítio das Eiras. Como a alcunha deste lavrador era "o Caracol", rebaptizaram-na em sua homenagem. A uva "Caracol" é igualmente designada localmente por "Uva das Eiras", por ter sido o primeiro lugar, onde foi cultivada. A expansão desta casta prolongou-se durante algum tempo e só a partir de 1958, é que a mesma foi instalada um pouco por toda a Ilha, nos sítios das Alagoas, Farrobo, zonas junto à praia, Lombas, Pedras Vermelhas, Ponta e Campo de Cima. A colheita desta uva decorre habitualmente de meados de Julho até finais de Agosto. Assim, as videiras desta casta plantadas e prostradas no chão, nas áreas contíguas à praia, além de produzirem uvas de mesa de elevada qualidade, têm uma outra importante função, a retenção das areias. Atente-se ainda, no início do Verão, ao pormenor do levante das vinhas a 40 a 50 centímetros do solo, com recurso a pequenas estacas de canavieira ou de tamargueira, para que a maturação das uvas aconteça nas melhores condições. Em consequência da acção constante dos ventos e para proteger a vinha, construíram-se os muros de pedra sobreposta e noutras ocasiões, recorreu-se a sebes vivas. Nos muros de croché assenta um saber ancestral, em que pedras sobre pedras e sem usar argamassa, são colocadas da seguinte maneira: as mais largas, na base, a servir de suporte às mais pequenas que se amontoam e ficam com alguns espaços propositadamente deixados. Com isso, procura-se dar o arejamento e a temperatura apropriadas para o plantio da vinha. Estes muros constituídos por pedras de basalto e de arenito são elementos característicos da paisagem do Porto Santo que urgem ser salvaguardados.
Que nos próximos anos, o "Life Dunas" seja um sucesso nas suas diversas vertentes e que a Ilha Dourada se torne mais agrícola com a uva "Caracol" tão saborosa, como Max tão bem a cantou em "Porto Santo".
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