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Textos sobre Agricultura madeirense no Diário de Notícias da Madeira (1.ª série, quinzenal - de 9.9.2007 a 13.6.2010; 2.ª série, mensal, de 30.1.2011 a 29.1.2017; 3.ª série, mensal de 26.2.2017 a ...)
Este texto foi publicado no dia 26 de Agosto de 2018, no Diário de Notícias.
Em Abril, trouxe a esta página algumas notas sobre o boletim mensal "Frutas da Madeira", editado pelo Grémio dos Exportadores de Frutas e Produtos Hortícolas da Ilha da Madeira. Este periódico dedicado à agricultura madeirense surgiu em Abril de 1941 e perdurou pelo menos até Janeiro de 1958, tendo como fundador e primeiro director, o Engenheiro Agrónomo António Teixeira de Sousa, na altura Delegado Regional da Junta Nacional de Frutas. No número 4 de Julho de 1942 foi publicado um interessante artigo intitulado "Matos – Giesta e carqueja", baseado em dois folhetos de divulgação da autoria do Engenheiro Agrónomo Artur Castilho no âmbito da "Campanha de Produção Agrícola – Ministério da Economia", editados naquele ano. Em pleno Verão, julgo ser oportuno reavivar algo que o Agricultor madeirense poderá novamente fazer uso, com benefícios evidentes para a melhoria nutritiva e de estrutura do solo, e consequentes acréscimos das produções agrícolas. Recuando 76 anos, a Madeira em particular e Portugal em geral, apesar da neutralidade na II Guerra Mundial, sentiam também os efeitos económicos adversos resultantes daquele conflito. Havia, por isso, escassez de alimentos e de outros bens que vinham de fora, como os adubos azotados ou como são vulgarmente conhecidos, os "guanos". Ora, uma forma de compensar a ausência dos fertilizantes era proceder-se à incorporação de matos no terreno, em substituição do estrume, que seria o ideal para fornecer matéria orgânica, mas que não existiria em quantidade suficiente na Região. A giesta e a carqueja já eram abundantes nas serras madeirenses, e desempenhavam um papel importante na exploração agrícola. Eram usadas como "camas de gado", quando devidamente preparadas, sendo que o estrume entretanto obtido era aproveitado como fertilizante. Ao serem trituradas e sujeitas a fermentação pelos processos normais, davam origem ao estrume "artificial". Por outro lado, podiam ser empregues como adubo verde, depois de cortadas e enterradas no solo, com o intuito de prover matéria orgânica e assim melhorar as condições de fertilidade. Cabe aqui recordar que a giesta e a carqueja são plantas leguminosas, ou seja, a percentagem de azoto é elevada, pelo que o benefício que daí advém para os cultivos agrícolas, é significativo. Além destas, a feiteira era e é igualmente utilizada como adubo verde, com destaque para as plantações de rama de batata-doce. Para proporcionar a decomposição, nitrificação e aumentar o seu efeito como fertilizante, recomendava-se a adição de calcário moído em quantidades variáveis entre 30 quilos a 100 quilos por 100 metros quadrados, consoante a natureza físico-química do terreno, espalhando-o antes da cava ou polvilhando-o nos regos sobre o mato.
Estes matos quando estavam sobretudo na fase de rebentação eram indicados como pasto, podendo ser posteriormente preparados. No caso da carqueja, recorriam-se a moinhos especiais para a sua trituração, deixando-a em condições de ser fornecida aos animais, constituindo assim um excelente alimento. As giestas eram aproveitadas para a manufactura de vassouras e o seu mato servia para a queima nos fornos de pão. O artigo realçava que «das giestas e carquejas mais desenvolvidas, tiram-se varas para feijão». Como curiosidade, em algumas zonas altas, mormente do concelho da Calheta, a giesta até entrava numa rotação de culturas, ficando a terra ocupada com esta planta cerca de quatro anos, e no ano de corte era semeado o trigo. Aquela espécie e a carqueja, como leguminosas, são plantas melhoradoras, isto é, enriquecem o solo, dando ensejo a que as culturas que se seguem sejam mais produtivas. Ao contrário do que queremos no presente, o texto escrito há quase 80 anos defendia inclusive que a expansão daquelas plantas agrestes seria desejável, podendo assim ocupar uma grande parte das regiões altas (com menção ao Paul da Serra a 1.500 metros de altitude), que apresentavam então uma «relva raquítica», desde que a sua exploração fosse convenientemente ordenada, originando colheitas abundantes, com benefício geral da economia agrícola. No planeamento de um povoamento florestal, a influência destes matos era notável, quer na conservação dos solos e respectivo melhoramento, quer como abrigos para as plantações novas. Aludia-se do mesmo modo ao aspecto paisagístico, pois em áreas incultas, aquele manto verde que na época da floração transformava-se em belíssimas manchas amarelas, não só era agradável à vista, como ainda servia de pasto farto para as abelhas. Aconselhava-se, por essa razão, que nas margens das estradas serranas fossem plantadas giestas, tirando proveito das variedades mais convenientes como ornamento. Concluía-se de facto que «estes arbustos, revestindo o terreno, evitando ou atenuando a erosão, segurando as terras, impedindo o desnudamento das rochas, facilitando a infiltração das águas e influindo beneficamente no clima, promovem uma acção muito importante, que só por si justificaria o cuidado e atenção que lhe devem ser dispensadas».
Nos dias de hoje, a giesta, a carqueja e a feiteira são plantas invasoras. Saibamos tirar partido das mesmas, voltando a disponibilizá-las de uma forma regulada ao Agricultor em prol da nossa Agricultura. E sempre numa perspectiva de desenvolvimento equilibrado, resolvendo-se a breve trecho duas situações prementes: o excesso de mato nas montanhas e a falta de matéria orgânica nas explorações agrícolas!
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