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Este texto foi publicado no dia 29 de Outubro de 2017, no Diário de Notícias.

Numa breve viagem pela paisagem agrícola de Portugal temos os socalcos do Douro e do Minho, as verdejantes planícies do Ribatejo, as searas a perder de vista no Alentejo, os pomares de citrinos do Algarve, as pastagens do Arquipélago "Irmão" dos Açores e os poios [regionalismo para socalcos] da nossa Região suportados pelos muros de pedra aparelhada. Todas as paisagens são belas pela sua diversidade cultural, pelo colorido que conferem, quer para o residente, quer para o visitante que não se cansa de fotografar ou filmar tão prodigiosa harmonia entre o Homem e a Natureza, "moldando-se" grosso modo um ao outro ao longo dos tempos, daí resultando o tão desejado equilíbrio. Na Madeira, desde o povoamento que se construíram esses degraus de gigante, os poios, que foram erigidos pelo duro trabalho braçal, transportando-se às costas terra e pedras para ter pedaços de terra cultivável e daí retirar o "pão" para o sustento do Ilhéu. Há um lado quase poético deste aproveitamento singular do território insular exíguo e acidentado, mas há igualmente outra face dramática, feita de suor, sangue e lágrimas de muitos dos nossos antepassados. A propósito, cito o Professor Engenheiro Joaquim Vieira Natividade, insigne Agrónomo e Silvicultor, que descreve no livro "Madeira – A Epopeia Rural" de 1953 o notável labor realizado pelo Agricultor madeirense. “E o homem, o pigmeu, atacou a montanha. Durante séculos não cessou o trabalho rude da picareta e da alavanca, e à custa de vidas, de suor e de sangue talharam-se na rocha as gigantescas escadarias, sem que o alcantilado das escarpas, a fundura dos despenhadeiros ou a vertigem dos abismos detivessem os passos do titã. Monumento este único no mundo, porque jamais em parte alguma, com tão grande amplitude, tanto esforço humano foi empregado na conquista da terra”.

Num olhar atento, verificamos no presente que os poios ainda persistem na nossa paisagem. Muitos, com dezenas, alguns, com centenas de anos de existência. Sem argamassa a unir as pedras, tal proeza deveu-se ao "engenho e arte" e ao saber de experiência feito do Agricultor madeirense, que dominava empiricamente os conhecimentos técnicos de construção de muros de suporte. Por outro lado, é sabido que o custo de um muro de pedra aparelhada nos dias de hoje representa o dobro ou o triplo de um muro em betão. Mas também percebemos que o impacto paisagístico de um e de outro são distintos. Então, o que será melhor? Os muros de pedra aparelhada? Revestir os muros em betão com pedra aparelhada? Ou só muros em betão? Deixo as respostas para si, leitor. Dada a questão financeira e muitas vezes a impossibilidade do proprietário suportar sozinho os custos de construção ou de reconstrução de um muro de pedra aparelhada para um poio com fins agrícolas, é fundamental que haja apoios financeiros comunitários ou de outra origem suficientemente atractivos para que se dê preferência àquilo que sempre foi utilizado, a pedra basáltica, uma matéria-prima local com provas dadas quanto à durabilidade. Até porque o custo de manutenção de um muro de pedra aparelhada no longo prazo será sempre inferior ao custo de manutenção de um muro em betão. Existem ajudas financeiras comunitárias para a manutenção dos muros de pedra aparelhada cujo valor é na ordem dos 900 euros por hectare por ano. Ora, para uma área mínima elegível de 1.000 metros quadrados de superfície agrícola disposta em socalcos dá direito a uns irrisórios 90 euros anuais. Além disso, o quadro comunitário de apoio Proderam 2020 concede apoios a 100 por cento a fundo perdido na "Acção 4.4.1. – Intervenção em muros incorporando pedra à vista". Para a construção e a reparação de muros de pedra aparelhada argamassada ou não, ou o revestimento de muros em betão com pedra aparelhada argamassada ou não definiu-se o montante máximo de 70 euros por metro quadrado numa superfície agrícola mínima elegível de 500 metros quadrados. É manifestamente insuficiente nas duas primeiras soluções pois as técnicas tradicionais de construção e de reparação requerem mais mão-de-obra e por isso os encargos serão mais onerosos ultrapassando em muito os 70 euros por metro quadrado. Há que reforçar o quanto antes os valores que contemplem a conservação e a recuperação dos muros de pedra aparelhada dos poios cultivados ou a cultivar. É claro que é o Agricultor que beneficia mais, mas seremos todos favorecidos pela paisagem sem igual, os de cá e os de passagem. E tenhamos presente que já são poucos, os que dominam a técnica de construção de um muro de pedra aparelhada não argamassado. Aproveitemos o seu saber-fazer e que este seja transmitido aos mais novos e interessados neste nobre e ancestral ofício que tem sido preterido.

Este importante legado deixado pelos nossos antepassados não deve ser apenas avaliado pelo contar imediato de euros e cêntimos. Nele há que ter em conta a memória cultural de um povo, a imagem de marca de uma Região, um cunho que é nosso, só nosso e que não tem preço. Respeitemos pois esse legado!

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