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Notas sobre o viver madeirense de outrora

por Agricultando, em 30.10.16

Este texto foi publicado no dia 30 de Outubro de 2016, no Diário de Notícias. Ao contrário do que sucedia antes, o Agricultando surge agora incluído na edição de domingo do DN, já que desde 16 de Outubro a revista Mais deixou de existir.

Lançado no dia 22 de Setembro no auditório da Casa-Museu Frederico de Freitas, no Funchal, "Apontamentos de Etnografia Madeirense (São Jorge e Norte da Ilha)" de António Marques da Silva resulta de uma compilação de textos que foram publicados primeiramente no Mensário das Casas do Povo e do Jornal da Madeira entre 1950 e 1963, e que agora foram reeditados pelo Serviço de Publicações da Direcção Regional da Cultura da Secretaria Regional de Economia, Turismo e Cultura. O autor apesar de ter nascido em Benquerença (Beira Baixa), em 1900, cresceu em Vila de Sarzedas pertencente ao concelho de Castelo Branco, tendo frequentado o Liceu albicastrense onde concluiu o Curso da Escola Normal com 17 valores. Iniciou a sua carreira na Escola Central de Castelo Branco e depois para ficar como efectivo, concorreu para a Madeira, tendo sido colocado em São Jorge, onde leccionou o ensino primário entre 1921 e 1933. As 174 páginas desta obra incluída na colecção "Cadernos Madeirenses" percorrem as vivências e expressões populares, os usos e costumes, a arquitectura das casas rurais, as indústrias caseiras como o bordado e a obra de verga (vime), a agricultura e os seus principais produtos utilizados para o sustento e até os comportamentos principalmente da população da freguesia de São Jorge nas décadas de 20 e 30 do século passado. Estes apontamentos com ilustrações e fotografias dos filhos Jorge Marques da Silva e António Ribeiro Marques da Silva, respectivamente, bem como do acervo da Photographia Museu "Vicentes" revelam o que era a vida no campo há quase cem anos, neles podendo entender-se o quão difícil eram aqueles dias de "luta heróica" como António Marques da Silva chega a intitular num dos seus escritos.

Ao folhearmos o livro, verificamos que o autor descreve a paisagem madeirense de uma forma realista ao dizer que “(...) nem sempre [se] vê o que fica por trás da nota de frescura e beleza que [se] saboreia: o trabalho do agricultor, penoso e aturado, como o dos escravos, nos tempos longínquos da colonização”. Sobre os poios [regionalismo para socalcos] acrescenta que “(...) Só quem conhece a topografia da ilha pode fazer uma ideia exacta do perigo a que está exposto este incansável lutador, apropriando para a cultura escarpas vertiginosas onde finca os referidos poios, sobranceiros, muitas vezes, a alcantis que metem pavor”, fazendo lembrar as também sábias palavras de Joaquim Vieira Natividade na obra "Madeira – A Epopeia Rural" de 1953. No VI capítulo, "Mesa de Pobres", mencionam-se os produtos agrícolas que todos consumiam. São o caso do milho, a semilha [regionalismo para batata] e a batata (doce), o pão (amassado na "Festa" [regionalismo para Natal] e noutras festas religiosas ou familiares), o inhame e a norça. Se bem que a alimentação das gentes rurais de outrora fosse limitada, havia momentos em que se tinha mais variedade. A apanha de lapas e caramujos, a matança do porco pelo Natal, a "sopa de panela" com couve cozida com gordura ou nacos de toucinho, derramando-se de seguida em cima de uma pratada com pão, as sopas de tomate e cebola, de abóbora, de "boganga" [regionalismo para chila], de castanha, a açorda madeirense, a espetada acompanhada de vinho seco. E porque as "gulodices" têm sempre lugar em dias de festejo, alude-se aos bolos de família ou preto, de "Sabóia" amarelo e fofo como o pão-de-ló, as broas e as rosquilhas, o bolo de mel que combinam bem com um copo de vinho, de licor ou de Madeira. Numa frase, não obstante a escassez de alimentos ao longo do ano, existiam épocas festivas que por mais que a mesa fosse humilde, transformava-se em algo mais substancial e mais apetecível.

Os "Apontamentos de Etnografia Madeirense (São Jorge e Norte da Ilha)" terminam com um artigo "Prelúdios do Natal" por ser a festividade “(...) que mais sensibiliza a alma religiosa do madeirense (...)”, e que por estar a aproximar-se, quem deste "Agricultando" se recordar, poderá ser uma excelente sugestão para um presente!

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publicado às 15:59


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