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Este texto foi publicado no Diário de Notícias, no dia 25 de Fevereiro de 2024.

A paisagem é, grosso modo, aquilo que os nossos olhos alcançam. No caso do Arquipélago da Madeira, do mar à serra, temos vários tipos de paisagem: urbana, peri-urbana, florestal e rural. É sobre este último tipo de paisagem que quero debruçar-me mais uma vez. A paisagem rural, isto é, a referente ao campo e à actividade agrícola, é tão antiga quanto o povoamento destas ilhas, ou seja, tem cerca de 600 anos. Os nossos antepassados, com muito "sangue, suor e lágrimas", construíram esses degraus de gigante encosta acima, acartando às costas, terra para o cultivo e pedra para as paredes, à beira do abismo, criando desse modo os poios, terrenos que permitissem o cultivo para dali ter alimentos indispensáveis para a sua sobrevivência. Actualmente, pese embora a transformação que ocorreu na paisagem da Madeira sobretudo nos últimos 30 anos, no que diz respeito aos acessos rodoviários e à construção de edifícios com as mais diversas funções, a paisagem agrícola marca presença e esbate a paisagem urbana e peri-urbana. Esse esbatimento é ainda visível, por exemplo, nas freguesias de São Martinho e Santo António, no concelho do Funchal, e nas freguesias de Câmara de Lobos e Estreito de Câmara de Lobos, no concelho de Câmara de Lobos, com os bananais e vinhedos por entre as estradas antigas e mais novas, o casario e os blocos de apartamentos. Como em tudo na vida, o equilíbrio entre os diferentes tipos de paisagem é desejável, mas sabemos que é difícil de alcançar, por várias razões que não cabe aqui explanar. Contudo, importa ressalvar que a paisagem é um bem público e como tal deve ser atentamente protegido, gerido e ordenado, quer pelo Governo Regional, quer pelos municípios. Independentemente dos mecanismos de protecção, gestão e ordenamento do território, os cidadãos podem e devem contribuir para que a paisagem rural persista nos dias de hoje e no tempo que há-de vir.

A existência da paisagem agrícola madeirense só será possível, se cada um de nós, residentes e turistas, comprarmos e consumirmos os produtos agrícolas que são cultivados nos poios, ao longo do ano. Considero este aspecto como um acto de cidadania, pois se em vez disso, dermos preferência ao que vem de fora (leia-se ao adquirirmos os hortrofrutícolas importados), estamos a empobrecer a nossa paisagem rural. O abandono da terra traz não só problemas de haver mais terrenos com mato e por isso mais susceptíveis aos incêndios e à proliferação de pragas como os ratos, mas igualmente de desertificação do campo por via das pessoas encontrarem outra ocupação noutros lugares da Região ou mesmo emigrarem. Dada a exiguidade da Madeira e do Porto Santo, esta relação de fidelidade de compra do que é nosso em detrimento do que vem de fora, é determinante para a harmonia entre os diferentes tipos de paisagem como já foi atrás referido. Há uns anos, o Arquitecto Rui Campos Matos num artigo de opinião publicado neste Diário, lançava a ideia de uma paisagem comestível, uma paisagem que seduz o sentido da visão e provê produtos da terra e do mar à cozinha regional. Este conceito deve estar presente no nosso quotidiano e ser amplamente divulgado pelas escolas, desde os mais novos até aos que estão a terminar o ensino secundário, pois é assim que se formam os adultos do amanhã com bons valores.

A manutenção da paisagem agrícola que tanto apreciamos e que devemos valorizar sempre, também depende da nossa atitude como cidadãos responsáveis quando adquirimos os produtos locais. Façamos o que nos é devido e honremos o legado dos nossos antepassados que muito lutaram, para que houvesse terra fértil e dali pudessem tirar o sustento!

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publicado às 15:42


Ainda sobre Agricultura e Turismo

por Agricultando, em 28.01.24

Este texto foi publicado no Diário de Notícias, no dia 28 de Janeiro de 2024.

Este "Agricultando" é o 84.º texto da terceira série de textos iniciada a 26 de Fevereiro de 2017. Atingimos assim os sete anos de publicação mensal ininterrupta no que se refere a este conjunto de artigos, recordando que o primeiro "Agricultando" da primeira série de textos foi publicado nas páginas deste centenário matutino a 9 de Setembro de 2007, a caminho, portanto, dos 17 anos. Confesso que há meses em que o tema do "Agricultando" é escolhido quase de imediato, mas num ou noutro mês, a eleição do assunto a redigir, afigura-se mais difícil. Vai daí, para procurar inspiração, consultei os escritos da presente série e alguns da segunda série de textos publicada entre 30 de Janeiro de 2011 e 29 de Janeiro de 2017. Foi desse modo que resolvi recuperar uma ideia exposta neste espaço em Abril de 2016 e em Junho de 2017, e que se trata no fundo de uma adaptação do que é feito por parte do Governo Regional, a nível da distinção ambiental dos estabelecimentos hoteleiros e da restauração, mas diferenciando desta vez aqueles que apoiam a produção agrícola regional. Há uma Portaria com o número 6/2009 de 26 de Janeiro da então Secretaria Regional do Turismo e Transportes, alterada posteriormente pela Portaria número 20/2013 de 14 de Março, que criou um distintivo turístico de qualidade ambiental designado por "Estabelecimento Amigo do Ambiente". Desde esse tempo, e em traços gerais, pretendeu-se promover a qualificação ambiental da oferta turística, reconhecer e fomentar as boas práticas ambientais das empresas do sector turístico da Região, nomeadamente hotéis, restaurantes, empresas de animação turística e agências de viagens. Com o intuito de escolher o melhor dos melhores, instituiu-se três tipos de insígnias: "Amigo do Ambiente – Excelência", "Aliado do Ambiente – Ouro" e "Atitude Ambiental – Prata". As candidaturas apresentadas em formato de questionário são apreciadas por parâmetros como a integração nas vertentes natural e social, os recursos energéticos e hídricos, a gestão ambiental e inovação, os serviços (que abrangem a questão dos hortofrutícolas locais e seus derivados convencionais e biológicos, mas de uma forma breve) e a formação, que depois de aprovadas em função da percentagem de respostas positivas por uma Comissão de Avaliação, os supracitados distintivos são atribuídos pelo Secretário Regional da tutela (actual Secretaria Regional de Turismo e Cultura – SRTC) e têm uma validade de quatro anos.

Como escrevi no artigo anterior, é indiscutível a importância que a Agricultura madeirense tem no sector do turismo, nomeadamente na paisagem insular única e bela, e na hotelaria e restauração, pois a gastronomia regional ali servida só será autêntica se os hortofrutícolas e derivados locais fizerem parte. Os hotéis e restaurantes que têm a preocupação diária de comprar os produtos da terra regionais deveriam ser distinguidos e devidamente identificados, um pouco à semelhança daquilo que se faz na área ambiental, como foi antes referido. Porque a agricultura contribui igualmente para o bom ambiente que o turista procura. Ora, ajustando o que já existe na área do ambiente, uma maneira de promover, reconhecer e fomentar a utilização dos nossos produtos agrícolas e seus derivados nos hotéis e restaurantes, seria a elaboração de uma portaria conjunta entre a SRTC e a Secretaria Regional de Agricultura e Ambiente que criasse um distintivo turístico de qualidade agrícola que se poderia possivelmente chamar de ‘Estabelecimento Amigo da Agricultura Madeirense’. Para galardoar aqueles que fazem questão de apostar no que é de cá, haveria três insígnias: "Amigo da Agricultura Madeirense – Excelência", "Aliado da Agricultura Madeirense – Ouro" e "Defensor da Agricultura Madeirense – Prata". Os parâmetros de avaliação poderiam ser a integração nas vertentes agrícola e social, a gestão dos produtos agrícolas e derivados adquiridos localmente ao longo do ano quantificados através de percentagens por comparação com os importados, os serviços e a formação, entre outros, com metodologia semelhante de classificação que constam nas Portarias de 2009 e 2013 atrás mencionadas, adequadas à componente agrícola. Aqui fica mais um contributo para dinamizar a médio e longo prazos a produção agrícola do Arquipélago da Madeira, criando riqueza e fixando populações nas zonas rurais, melhorando a oferta gastronómica da hotelaria e restauração, tornando-a mais genuína!

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publicado às 17:35


Agricultura e Turismo

por Agricultando, em 31.12.23

Este texto foi publicado no Diário de Notícias, no dia 31 de Dezembro de 2023.

É do conhecimento comum que a principal actividade económica da Região, o Turismo, tem vindo a bater recordes no período após a pandemia, no que diz respeito ao número de turistas e a outros indicadores a estes associados. Esse aumento da actividade turística e consequente incremento de receitas cria condições e oportunidades de negócio noutras áreas económicas como a restauração, os transportes, o comércio em geral, entre outros. E que dizer da ligação entre a Agricultura e o Turismo? Será que o primeiro também poderá beneficiar do segundo neste cenário económico favorável? A resposta terá de ser afirmativa, pois se há mais pessoas na Madeira e no Porto Santo por via do turismo, deveria haver igualmente mais procura e consumo dos produtos agrícolas e pecuários regionais. Apesar de não dispor de dados concretos sobre a sinergia Agricultura-Turismo, é inequívoco que ambos só têm a ganhar "se caminharem juntos". Porém, sabemos que através das importações de hortofrutícolas, na maioria das vezes só para ter produtos a preços mais baixos, mas também de qualidade inferior aos que existem cá, compromete seriamente a manutenção ou até a expansão da Agricultura regional, e a médio prazo desmotivará aqueles que se querem dedicar à lavoura já de si difícil no seu quotidiano. Num tempo em que se fala tanto de sustentabilidade e o turista escolhe cada vez mais um destino em função desse aspecto, importa colocar na equação os ganhos económicos, sociais, ambientais (paisagístico e de redução das emissões de dióxido de carbono decorrentes do transporte dos produtos importados), quando se aposta primeiro na produção agrícola local.

Em termos alimentares, sabemos que o Arquipélago da Madeira será sempre dependente do exterior, mas o que aqui trazemos a esta página, é sensibilizá-lo, caro leitor, que unidos na mesma causa, podemos fazer a diferença, quer como consumidores finais, quer como empresários do sector da hotelaria e da restauração. Está ao nosso alcance um importante desígnio: sermos menos dependentes de hortofrutícolas que provêm de fora, dando preferência à aquisição dos produtos agrícolas, pecuários e seus derivados de origem regional. Pensemos nas vantagens que teríamos se houvesse mais área cultivada, mais emprego e fixação de pessoas no nosso meio rural, mais geração de riqueza aqui em vez de outras regiões longínquas, que é o que acontece com a importação de hortofrutícolas. Falemos então sem complexos de ambicionarmos ter mais autonomia alimentar que aquela que temos no presente, até porque num passado recente e nos dias de hoje sentimos o aumento generalizado dos preços dos alimentos. Vejamos os bons exemplos como por exemplo a produção de sidra e requeijão regionais, reconhecidos como Indicação Geográfica Protegida (IGP) e premiados a nível nacional e internacional. Como resolução de ano novo e dos anos que se seguem, que se recuperem outros cultivos que outrora foram importantes para a alimentação das nossas populações, como é o caso do chícharo (Madeira e Porto Santo) e da lentilha (Porto Santo), entre outros. A Agricultura madeirense é um sector que vai muito além do âmbito da sua actividade, pois presta um serviço de inestimável valor ao residente e ao visitante a nível paisagístico (veja-se a beleza ímpar dos poios agricultados), de ordenamento do território, de redução de risco de incêndios e até do bem-estar físico e mental de quem cultiva a terra.

E porque estamos no último dia de 2023, resta-me desejar a quem me lê, um feliz 2024 com muitas compras dos nossos bons produtos da terra ao longo do ano!

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publicado às 15:21


O Requeijão da Madeira

por Agricultando, em 26.11.23

Este texto foi publicado no Diário de Notícias, no dia 26 de Novembro de 2023.

No dia 15 deste mês, a Comissão Europeia anunciou a aprovação da inclusão do nome Requeijão da Madeira no registo das Indicações Geográficas Protegidas (IGP), passando a fazer parte da lista de produtos alimentares protegidos que podem beneficiar do uso do símbolo gráfico das IGP. Na Região, trata-se de um produto sobejamente conhecido e consumido ao natural e utilizado na doçaria tradicional e contemporânea, como por exemplo, nas queijadas da Madeira e nas tartes e pudins de requeijão, respectivamente. De acordo com o caderno de especificações do "Requeijão da Madeira – IGP" (disponível na página https://tradicional.dgadr.gov.pt/pt/cat/queijos-e-produtos-lacteos/1116-requeijao-da-madeira), o Requeijão da Madeira é um produto lácteo que resulta da precipitação pela acção do calor do leite de vaca, inteiro ou desnatado, previamente coagulado pela acidificação natural promovida pelas bactérias lácticas nativas que se desenvolvem no leite cru, não se adicionando qualquer tipo de coalho, fermento ou acidificante, acrescentando-se apenas sal sem ser submetido a qualquer método de cura, seguindo o modo de produção tradicional madeirense. Importa clarificar que em Portugal, o significado de requeijão geralmente designa os produtos lácteos obtidos a partir do soro do leite, em conformidade com a definição de queijos de soro, havendo ainda diferenças do processo de produção do Requeijão da Madeira (que é um "requeijão de leite") em relação ao queijo fresco de origem nacional e de outros tipos de queijos de pasta mole. De acordo com o documento atrás mencionado, o Requeijão da Madeira caracteriza-se como um produto fresco cuja massa, não prensada, é moldada com recurso a toalhas de algodão que são comprimidas para dar origem ao "pão" ou "bola" de requeijão que apresentam pesos diversos, mas inferiores a 10 quilos e que são embalados inteiros ou em porções, em sacos ou cuvetes de plástico seladas para fornecimento à pastelaria e restauração regionais. São igualmente moldados em cinchos (aro onde se aperta e espreme o requeijão) ou placas multimoldes, para escoamento do sorelho (parte líquida sobrante) e consequente acondicionamento em embalagens seladas com volumes entre as 100 e as 500 gramas, para o mercado retalhista. Em termos organolépticos, o Requeijão da Madeira tem uma coloração intensa a mais ou menos baça, do branco giz ao ligeiramente amarelado, de consistência cremosa, suave a mais ou menos grumosa e densa, podendo apresentar algumas fendas ou cavidades, firme (o que possibilita o corte para o embalamento) nos moldes maiores, a mais húmida e menos firme nos moldes individuais, com fraca a média coesão, adesividade e dureza, de mastigação e elasticidade normais. O seu aroma é lácteo a amanteigado, notas doces e frutadas, de sabor também lácteo e agradável, levemente amanteigado e/ou doce, ligeiramente ácido e gosto salgado normal.

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(Direitos Reservados)

Para assegurar que o Requeijão da Madeira é distinto, o leite de vaca cru tem de ser produzido nas explorações produtoras de leite da Ilha da Madeira, e a sua produção e preparação tradicionais que lhe atribuem as características únicas, deve ser realizada exclusivamente por queijarias (unidades de transformação) como a Fábrica de Requeijão Massa, a Requejema e a SantoQueijo situadas na Região. Devem ainda os produtores notificar a sua actividade à autoridade regional competente e assumir o compromisso de cumprir as regras estipuladas no caderno de especificações e outra legislação aplicável, bem como submeter-se à verificação da conformidade implementada pelos serviços oficiais ou por um organismo indicado para o efeito; criar um sistema de verificação que confirme a origem do leite de vaca e as condições de ordenha, conservação, recolha e transporte, as disposições do regime de gestão da produção regional do leite de vaca, aos métodos tradicionais de produção, ao controlo das características do produto final e das respectivas condições de embalamento, rotulagem e colocação no mercado, assim como a rastreabilidade da produção à colocação no mercado. Se outrora a produção de leite de vaca assentava maioritariamente em pequenas explorações leiteiras com um a dois animais estabulados de raças "Mestiças Madeirenses" (descendentes de cruzamentos da "Raça da Terra" com animais vindos da Inglaterra e da Holanda), nos últimos anos e no presente tem acontecido uma concentração desta actividade em explorações de maior dimensão com animais da raça "Holstein-Frísia". De referir que actualmente todo o leite de vaca produzido na Ilha da Madeira destina-se à produção de Requeijão da Madeira, de queijo fresco e outros "queijos brancos" que são postos à venda no mercado local. A transformação do leite baseia-se primeiro no arrefecimento rápido a uma temperatura abaixo dos 6 ºC por um período maior que 24 horas, para que haja acidificação natural por acção das bactérias nativas que convertem a lactose em ácido láctico, podendo-se igualmente fazer a partir de uma pequena quantidade de leite cru deixada à temperatura ambiente em condições controladas para acelerar a acidação natural e que é misturada com o restante leite a transformar. A seguir, o leite acidificado é colocado em panelas ou marmitas industriais aquecidas em banho-maria ou por sonda, juntando-se o sal, até se alcançar temperaturas na ordem dos 90 a 92 ºC, com o intuito de promover a coagulação total das proteínas do leite, formando-se flocos ou coágulos (também conhecidos vulgarmente por "nata") que boiam à superfície do sorelho e são recolhidos e deitados nos recipientes revestidos com toalhas de algodão e que são sujeitos a compressão para serem acondicionados. Como é referido no caderno de especificações «[…] este produto particular madeirense, obtido a partir de leite de vaca produzido na ilha e seguindo o seu modo de produção tradicional, que lhe conferem características organolépticas distintivas e uma consistência muito própria, resultam do facto de que o Requeijão da Madeira, não só é muito mais do que um requeijão, como também é muito mais do que um queijo».

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publicado às 15:30


Outubro de cinzas…

por Agricultando, em 29.10.23

Este texto foi publicado no Diário de Notícias, no dia 29 de Outubro de 2023.

Este mês fica infelizmente marcado pelos incêndios que assolaram particularmente os concelhos da Calheta, Porto Moniz, Ribeira Brava e Câmara de Lobos. Assistimos com preocupação e consternação à devastação de grandes áreas com mato, eucaliptos, floresta, cultivos agrícolas, entre outras, à morte de animais de estimação e de criação, bem como algumas casas e palheiros que foram destruídos pelo fogo inclemente. De facto, as condições climáticas que tivemos durante as duas primeiras semanas de Outubro, com temperaturas acima dos 30ºC e humidades relativas do ar baixas, associadas a ventos fortes e a mão criminosa (mais uma vez!), deixaram muitos de nós em sobressalto e a recordarmos outros incêndios relativamente recentes ocorridos em 2016 (nesse ano, principalmente no Funchal), 2013 e 2012. Mas, no passado, os fogos sempre nos inquietaram e bastante. Já aqui trouxe a esta página uma rubrica intitulada "Agricultura Regional" coordenada pelo Engenheiro Agrónomo Rui Vieira e publicada quinzenalmente neste Diário entre 15 de Julho de 1989 e 26 de Junho de 1993, portanto, há cerca de 30 anos. Num dos escritos sobre os incêndios na Ilha da Madeira recupero agora um texto "Males de hoje… e de ontem…" da autoria de Rui Vieira publicado no Diário de Notícias da Madeira de 25 de Agosto de 1990. O Engenheiro Rui Vieira dava conta que «Não se pode deixar passar esta época quente, sem uma palavra de referência ao que por aí tem ido, nesta Ilha mártir, de destruição, pelo fogo, do nosso património florestal. Dada a frequência e a intensidade dos incêndios de Verão, sobretudo nas últimas décadas, julgo que será aconselhável passar a considerar, entre as condicionantes (negativas) do desenvolvimento regional, mais esta fatalidade, a que (parece) ninguém pode pôr cobro…». Constatava ainda que «De qualquer modo, face à periodicidade e aos malefícios do "fenómeno" há que lutar, por todos os meios, contra esta calamidade que parece ter-se tornado perene e, sobretudo, estabelecer com determinação e objectividade planos de actuação que possam, acima de tudo, evitar que os incêndios surjam e se desenvolvam».

Efectivamente, nos últimos anos a Região tem investido no apetrechamento de equipamentos, viaturas e de um helicóptero para um combate mais eficaz e célere aos incêndios, bem como no reforço dos meios humanos, quer nas corporações de bombeiros, quer nos polícias florestais, sapadores florestais, vigilantes da natureza, entre outros. Rui Vieira adianta igualmente que a sensibilização junto dos alunos de todos os níveis escolares e das populações (e sua responsabilização), a extensão rural, a vigilância, a cooperação civil-militar, a fiscalização, uma justiça rigorosa e exemplar que actue atempadamente, entre outros, «[…] poderão, seguramente, contribuir para a diminuição ou eliminação desta nova "praga" [referindo-se aos fogos florestais]». E esclarece que é "nova" pela barbaridade, inconsciência, negligência e repetição dos incêndios. O Engenheiro Rui Vieira defendia «[…] a extrema necessidade de se acelerar o repovoamento florestal […] Florestar, com saber e com rapidez, é uma dessas tarefas, de que depende, isto sim, sem demagogia, o futuro da Região!». À natureza, floresta, água, equilíbrio biofísico, num primeiro plano, Rui Vieira interliga a paisagem, qualidade de vida, economia, turismo, em plano adjacente, «como se de alma e corpo se tratasse». Depois explica que com os fogos há desequilíbrio, pois «Morta a floresta, as águas não se infiltram na terra, brotam menos nas nascentes, aumenta a erosão… E o que era beleza panorâmica, torna-se terra queimada; não há mais que falar em qualidade de vida; a economia regride; o turismo afasta-se…». Além da premência no combate aos incêndios, escreve que é preciso actuar urgentemente na florestação, «ontem, hoje, amanhã!», uma vez que assim se conserva ou aumenta a nossa riqueza hídrica, para termos água nas torneiras, nos terrenos e para produção hidroeléctrica; para que a paisagem insular preserve a sua singularidade; para que os visitantes continuem a vir à Madeira; para que os residentes mantenham uma boa qualidade de vida; para melhorar a economia regional; para que se protejam as vidas humanas da terra e da rocha nuas que as põem em perigo. Para lá da florestação importa relembrar que um terreno agricultado é muito mais resistente ao avanço das chamas que um terreno inculto com mato. Saibamos dar valor às nossas produções agrícolas locais, adquirindo-as e consumindo-as com vista ao ordenamento do território, à manutenção e expansão da actividade agrícola e consequente fixação das populações no meio rural. A concluir, o Engenheiro Rui Vieira advogava que «[…] florestar obriga, assim, a acabar com o gado que, nas serras madeirenses, continua a pastar em liberdade [atente-se para a ressalva do gado ser problema quando pasta livremente e não quando está circunscrito]; a realizar, nos locais próprios, as necessárias obras de correcção torrencial; a escolher, com rigor, as espécies arbóreas, arbustivas e a restante cobertura vegetal, adequadas para as várias zonas e condições de solo e clima (a silvicultura é uma ciência e nada deve ser feito ao acaso); e a optar pela floresta típica da Ilha, até por ser menos susceptível aos fogos florestais, sobretudo nos terrenos baldios e do património regional. […] Entidades públicas e privadas têm que dar as mãos e arrancar já e em força. Todos seremos poucos para a concretização de um projecto vital para esta Região, que sem árvores e sem águas, mergulhará no esquecimento e na miséria…».

Palavras sábias e oportunas de Rui Vieira que foram escritas há mais de 33 anos, mas mantêm uma actualidade que nos leva a pensar e a querer agir!

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publicado às 16:54


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